domingo, 3 de julho de 2011

Será o cofre das graças um conflito aparente de norma?


     Este é um artigo que fora elaborado para se fechar um ciclo de intensas e diversas discussões na disciplina de direito constitucional, ministrada pelo professor Marcelo Arno Nerling, no curso de Gestão de Políticas Públicas da Universidade de São Paulo, mas que não se encerra, muito pelo contrário, tanto a oportunidade de participar da disciplina como de construir o artigo, sem dúvida nenhuma serviram para se abrir mais um caminho das nossas reflexões e atuações cotidianas em busca de outro País com mais justiça social.
   Faz pouco tempo venho observando, não tão de perto como gostaria, que cada vez mais cresce entre a sociedade uma preocupação com o orçamento público, embora seja bastante diminuto o número de municípios onde se adota a participação no orçamento público. Um desejo de participação, quem sabe até mais do que isso, uma necessidade de se deter certo controle do orçamento, na medida em que a própria Constituição entende o poder do povo emanar assegurando como princípio fundamental e o exercendo diretamente se assim preferir.
    Não falo nada de inovador, apenas é uma constatação quando vejo iniciativas de se democratizar a participação das prioridades da administração pública definidas no orçamento sendo empreendidas até mesmo por gestores de partidos conservadores. Considerando isso, vale lembrar que o pioneirismo na propagação dessas iniciativas fora desenvolvido no município de Porto Alegre no final dos anos 80, e desde então essa prática vem sendo experimentada e aperfeiçoada por outras administrações públicas.
    Pois bem, o orçamento público deve ser um instrumento de planejamento da administração que auxilie o gestor a executar as prioridades definidas com os recursos ali expressos. Infelizmente, parte considerável do volume de recursos não é de fato executada. Como bem ressalta o professor Nerling, “O orçamento clássico serve às mil maravilhas ao controle político-jurídico das despesas..., mas não cria, no serviço público, a consciência de missão a efetuar e de custo”. Ficamos todos assim muito preocupados em saber se o orçamento está sendo realmente um instrumento para a democratização das políticas públicas e os recursos necessários à sua implementação ou se ele é intencionalmente usado para dar uma artificialidade na condução da coisa pública pela sociedade.
    Estes elementos, e ainda outros, nos permitem perguntar acerca do cumprimento da função social do orçamento público, digamos assim. Vejamos só:
    Primeiro, os projetos de lei relativos ao plano plurianual, às diretrizes orçamentárias e ao orçamento anual são de responsabilidade do executivo elaborar, que os submete a apreciação e aprovação do legislativo, podendo este emitir pareceres e propostas de emendas a esses projetos de lei. A disponibilização da proposta orçamentária anual no ambiente legislativo faz dele o espaço decisório, a arena política fundamental de combates e coalizões no sentido garantir as demandas prioritárias estabelecidas pela sociedade. Dessa forma, o projeto pode sair um pouco diferente da maneira quando chegara.
    Segundo, nessa arena de disputas políticas são inúmeros grupos participando com interesses diversos. E, fundamentalmente, grupos com maiores condições de disputa do que outros. Geralmente, os grupos defensores das demandas sociais tendem a possuir menores condições de enfrentamento e, quando as conseguem assegurar nessa árdua disputa, ainda assim não representa garantia alguma de que serão executadas.
   Considerando isso, penso: existir a necessidade de alteramos a natureza da legislação orçamentária, obrigando o gestor a executar as prioridades demandadas pela sociedade e o responsabilizando administrativamente se assim não fizer; E que a cada vez mais devemos ampliar esses mecanismos de democracia participativa.

Carlos Eduardo Alcino
Escola de Artes, Ciências e Humanidades
Universidade de São Paulo



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